A historiografia foi responsável durante longo período por endossar as fileiras de redução ou exclusão da mulher como protagonista ou participante de importantes momentos da nossa história. Apesar da sensível mudança nesse aspecto, e talvez uma das mais admiráveis provas disso, é a cada vez maior participação das mulheres no campo da pesquisa e produção histórica, e também como objeto de pesquisa, creio que ainda há muito caminho a ser percorrido, principalmente no Cariri.
Nossa região, e isto o passado fortemente ligado ao patriarcado não nos deixa negar, sempre foi deveras excludente aos seus vultos históricos femininos. Analisando as obras fundadoras, veremos páginas recheadas de coronéis, padres, beatos, cangaceiros e outros tantos homens que cortaram esses sertões marcando seu nome das mais diversas formas, enquanto que a figura feminina, principalmente por conta do contexto social que reduzia suas margens de ação, esteve na maioria dos casos em segundo plano, salvo casos em que os fundadores da nossa crônica histórica trataram de selecionar a dedo para dar a ênfase que julgaram necessária.
Vejamos, por exemplo, Bárbara de Alencar, elevada a heroína por conta de revolução de 1817. Fideralina Augusto, que se impôs diante do contexto que a ela se fez obstáculo. Marica Macedo do Tipi, outra matriarca de sangue quente e muita ação. Foram elas mulheres de seu tempo, e nos dias após seus desaparecimentos físicos, escolhidas pelos estudiosos como vultos a serem destacados, mas cabe destacar que nem sempre as construções em torno dessas figuras fizeram jus a suas respectivas histórias, e falo isso tanto para mais, como para menos.
Diante de escolhas e construções que não couberam a nós, mas que ainda hoje se apresentam em nossos dias, devemos nós continuar o resgate de figuras que no passado foram subjugadas e desprezadas até, como a beata Maria de Araújo, que felizmente hoje vive dias melhores em relação a preservação de sua memória. Mas e a beata Mocinha? Uma mulher de tantas e tão relevantes contribuições para a história do Juazeiro e do Cariri, e que foi reduzida somente a figura de simples governanta da casa do padre Cícero.
Quando falo em nós, digo que os historiadores e pesquisadores devem sempre estar a apoiar a causa das historiadoras e pesquisadoras que hoje, felizmente, são tão presentes e importantes no campo da pesquisa e sociedade, e as únicas capazes de mensurar e entender com real precisão o contexto de opressão que viveram as que as antecederam, e que elas também vivem atualmente.
Neste mês de março, e em todos que se seguem, hei de saudar essa multidão de guerreiras que muito nos deram, mas que infelizmente tiveram seus nomes perdidos nas quebradas do sertão, e também hei de saudar as que hoje se debruçam sobre essas histórias e as trazem a tona, pois numa região como o Cariri, eu enquanto homem trato somente de reconhecer a carga de privilégios que sou portador por conta desse acaso biológico, e ser sempre braço amigo e incentivador destas que enfrentam o patriarcado e traçam a duras penas suas próprias estradas no mundo de Clio e na vida cotidiana.
Fonte: Site Badalo
Fonte: Site Badalo
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